Passagens Estreitas
A pernambucana Isabela Stampanoni, após graduar-se no Recife, transferiu-se em 2002 para Milão, na Italia, a fim de continuar os estudos em sua área de interesse, de onde retornou apenas início de 2009. A permanência naquele país, tendo sido decisiva na sua formação como artista, marcou indelevelmente seu trabalho, como pode ser observado no conjunto das obras reunidas em Passagens Estreitas.
Na condição de estrangeira, a experiência de estar à margem vivenciada durante aquele período, tornou-a mais sensível às fronteiras, aos contornos territoriais, de onde advém seu interesse por mapas. A depender do contexto geopolítico, estes limites constragem com maior ou menor intensidade o ir e vir de pessoas entre as regiões do globo. Ante ao agravamento, em anos recentes, das interdições ao trânsito de populações provenientes de países periféricos na Europa, e ao correspondente aumento da intolerância nos países de destino daquelas, o trabalho da artista sofreu uma inflexão.
Para os imigrantes vindos do norte da África, a principal porta de entrada na Itália é a Sicília.O Estreito de Messina, canal entre a península e a ilha, figura como epítome do drama da imigração observado de perto pela artista. Palco de travessias precárias e muitas vezes inconclusas ao continente, o estreito foi o primeiro a ser produzido dando origem à série.
Na acepção da geografia, Estreitos são canais naturais de pequena largura que estabelecem a comunicação entre dois mares ou duas seções do mesmo mar. Por sua vez, Istmos são faixas estreitas de terra que ligam uma península a um continente ou duas porções de um mesmo continente. Por suas conformações, estreitos e istmos proporcionam conexões naturais. Os canais são passagens que facilitam rotas marítimas, conectam áreas distintas e figuram em relatos históricos de descobertas que possibilitaram encurtar percursos. Ambos remetem a fluxo de pessoas e mercadorias.
Reduzindo-os aos elementos mais simples nas convenções cartográficas, a representação por meio de linhas para definir o contorno, e o preenchimento com manchas de cor em uma das áreas para diferenciá-las, a artista pôs-se a reproduzir estreitos e istmos. Através do desenho, da pintura e das costuras sobre feltro ou outros materiais, Stampanoni empreende investigações formais em torno daquelas convenções. Cumpre notar a ambivalência destes modelos à medida que as composições tendem ao abstrato.
A inclusão, na mostra, das imagens em vídeo de um nascimento amplia ainda mais o campo de significações das reproduções de estreitos e istmos, condensando sentidos de fluxo, passagem e ligação entre mundos. Por fim, em Passagens Estreitas são postos em contato próximo o natural e o arbitrário, a afirmar que, assim como as convenções dos mapas, as ordens que regem as fronteiras sócio-políticas do mundo, são contingentes, artificiais, e passíveis de serem alteradas.
(texto institucional do folder do Projeto Trajetórias 2009/2010 da Fundação Joaquim Nabuco, Recife)
texto por Silvia Paes Barreto